quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Eu não sou como esses tantos

Eu não sou como esses tantos
Que dizem que escrever é dar ênfase aos nossos ideais,
Eu não sou escritor, nem poeta,
Nem tão-pouco fecundo encantos.
Eu apenas permaneço leal às palavras e elas a mim leais.

Tenho, com as folhas de papel, uma relação...
Em que cada um de nós é uma parte,
Elas deixam-me esventrá-las com a minha voz, em vão,
E eu deixo-as exibir a minha arte.
É como um negócio, mas de amizade...
Eu orlo-me fido isíaco sob a penumbra desta união,
E ambos voamos exalados coniventes em liberdade!

Eu? Não, não sou como esses, errantes
Entre umas palavras e outras,
Eu não sou criador de espaços,
Nem de tempo, nem de instantes!
Eu devaneio sob a alçada dos meus passos
E vou escrevendo o que me vem à cabeça...
E enquanto houver folhas brancas no mundo,
Não há Deus que me impeça!

Porque eu e as folhas somos cúmplices
Das nossas próprias histórias
E desventuras,
Que as nossas glórias
São eternas e singulares loucuras!

Ah... Eu não sou como esses...
Que não sabem o que escrever,
E que em estranhas artimanhas
Vão encontrando as suas próprias falas...
Mas isto sou eu, porque não sou escritor, nem desejo ser!
E eu gosto das folhas em branco!
Para escrever as minhas palavras... (Minhas!)
Porque são feridas que estanco
De outras batalhas,
Perpetuamente petrificadas entre linhas.
E nós temos uma relação de amizade,
Eu oiço-as a elas, e elas ouvem-me a mim,
Nunca ficando em soledade...
E são as minha palavras que quero que louvem, não a mim!

Então, enquanto houver folhas em branco,
Significa que há ainda muito para dizer,
E muito para ser dito!
E enquanto eu não parar de escrever,
Haverá sempre mais para ser escrito!
Eu não me angustio com folhas em branco,
Eu amo-as, para ser franco!

Eu? Eu não sou poeta, porque poemas faço,
Eu sou só um amante de um querer escasso...
De querer escrever sobre essas linhas vazias,
E por isso escrevo todos os dias!
E é assim que tem de ser!
Até que se apague o impetuoso círio anarquista
Do meu voluptuoso escrever!
Até que o breu
Insista
Em gretar todos os pedaços de escrita
Cuja génese dou o nome de "eu".

domingo, 25 de outubro de 2009

O meu completo consciente
Constata que eu sou
O que tudo sente
E o que tudo vê,
Mas dói a Dor de sentir
Porquê? Porquê?!

Dói dizer, dói pensar,
Dói entrar
No rol do austero e clemente esquecer!
Dói viver, dói morrer,
Dói ser e não ser!
Ah! Se ao menos eu pudesse deambular alado
Sobre o complacente peito da minha mãe,
Engolfado no seu colo...
Ou repleto da inocente, imaculada,
Inconsciente e deturpadora esperança!
Ah! Se ao menos eu pudesse
Experimentar ser eterna criança!

Correr vastos campos ceifados,
Pomares ingentes...
(E que pequeninos hoje os vejo!)
Caír e levantar-me,
E a dor dos joelhos esfolados
Abismar-se com o passar leve de um terno beijo...

Se ao menos eu não tivesse que escrever
Para ver esta Dor esvaecer-se
Num mar de poemas de fel!
Ah! Tão doce é a dolente
Tinta azul com que escrevo neste papel!
Tão somente
Como a voz do meu completo consciente...
Que constata que eu sou
O que tudo vê
Mas que nada sente...
E dói a Dor de crescer
Porquê? Porquê?!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A Palavra

Deixem o poeta falar
Deixem-no gritar!
Não o parem, nem lhe tirem as palavras!
Não lhas troquem,
Nem lhas escondam,
Não as pensem, como um gesto frívolo da sua voz!
Porque cada palavra que poeta traz
É uma onda mais alto que nós!
É uma asa que voa...

Deixem a escrita áfona em paz,
Deixem-na ser como ela é,
Porque ela, Só, soa!

Deixem a metáfora ser metáfora,
Deixem a palavra ser ouvida,
Porque se a metáfora não for metáfora,
A Poesia deixa de ser Lida!!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sou de natureza inconstante

Sou de natureza inconstante,
Um tanto devaneador,
Tinjo-me de um pólen queimante
Pérfido a este campo sem fulgor.

Eu? Não pertenço a este mundo rutilante
De sábios e saberes imbuídos de furor!
Não, não possuo a inquietante
Ânsia voraz de saber seja o que for...

Eu sou o escárnio e o molesto,
O alumiado e o infesto,
Sou a chama que arde insignificante...

E ardo nos braços desta chama em que me resto,
Exibo-me ágil e célere num protesto,
Contra mim, sou de natureza inconstante!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A Cidade

Na Cidade as máquinas rolam
E sobejam as pessoas,
E intoxicam, e esfolam,
E rasgam o ar com deletérios vapores,
- Brumas ébrias cinzentas -
Deixando um rasto de horrores
E as ruas petilentas...

O altivo e infernal estrépito
Dessa galáxia de máquinas,
Mergulha no meu tímpano,
E rompe-o! E rasga-o!
E teima em cercar-me
Num virulento toar
De um fragor!

Ah as máquinas!
Esburacam e trepidam a Terra!
E esta vai chorando compulsivamente de raiva abstracta
Contra multidões polifónicas!
Numa outra guerra...
Numa outra parte...
Que a Terra chora o Mar
E o Mar chora a Terra!

E eu choro também...
Ó Pai! Ó Mãe!
Derramem o furor da cidade sobre mim,
Queimem-me frenéticos ópios
E chuvas de ácidos!
Ah, levem-me, levem-me!
Soltem-me das garras da cidade
E que eu possa fruir só
Da Morte, em soledade!

domingo, 4 de outubro de 2009

Hoje sinto que voo
De mão em mão,
De vento em vento,
E que eu, ao relento,
Vou gelando no fechar dessas mãos...

E dou-me a passos de outro,
Enquanto meus
Caminham, por aí vãos.