domingo, 28 de março de 2010

Encenada a Morte está - 28 - Mar - 2010

O Adeus não o é
Quando outro adeus o prossegue;
E não se entenda o mais alto grito
Se outro mais alto soa;
Entenda-se a morte encenada
Como o expoente máximo de uma vontade
Incessante absorta a proa,
Um desejo pungente
De uma vontade veemente,
Uma fátua chama que arde indomada
E reflecte uma acção
Que transcende a vontade
(Ainda que por encenação)
E transfigura, em nada, a realidade.

Vejo-me nesta morte
Sucumbir perante um Deus
Maior, e tutelar minh'alma e arte,
Encenando este Adeus.
Meu corpo esfalfado perde-se
Num estado débil,
E na viscosidade da Incerteza
Esqueço o Bem, esqueço o Mal,
Esqueço o que além de vida em vós é nada
O que além de vida em mim é fulcral.


"Tudo tem um princípio e tudo tem um fim!"

domingo, 14 de março de 2010

Poema para Madalena (ainda que não saiba)

Foi quando o limiar nocturno
Fecundou os vãos abjectos duma cidade,
Que meu olhar lhano,
Num mero impulso de ansiedade,

Viu emergir o esplendor
De um corpo graciado,
Como uma orquídea odorífera
De perfume (nenhum) deificado.

Ah, flor que emerges da estéril hera,
És a íntima relação perenal da Primavera!

E assim, sabendo o nada
De minh'arte surdida,
Digo-te, Madalena, que és um poema
E és um poema em forma de Vida!



sábado, 6 de março de 2010

Vale a pena afastar-me de Lisboa

Vale a pena afastar-me de Lisboa,
Descer da cidade que geme e atroa,
Enfrentar esse esquálido caminho,
Para ver em mim extenuado
O asfixiante vapor da Máquina e do Progresso...

Aproximam-se horizontes
De rochas moídas que fitam
Secretamente os céus volúveis,
E sob esta ambiguidade monótona,
Que vai movendo os grãos de areia,
Minha boca anseia
Pelo sabor intenso do sal,
E meu corpo de se engolfar
Nos braços libertinos e veementes
Desse retalho Ocidental
............................... de mar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

O sorriso de uma criança

Encarno um cenário que nada contingente
Na ociosa avidez de um ódio, que avulso
Imbui corpos escombrosos,
E neste cenário, lugubremente,
Choro, convulso.

Meus olhos vermelhos
Olham cidades que me marginalizam,
Cidades ainda crentes de um bem
Litúrgico forçado,
Que de bem nada tem.
Olvido as memórias que piso,
Cuspidas no chão,
Como se fossem senão enxurro:
São a cidade nédia do prazer de ciciar,
De falar sobre tudo, sobre nada falar.

Choro nesta cidade,
Onde o tempo é visível por todos
E todos são vistos pelo tempo.
Nos relógios, nos painéis, nas televisões,
Nos carros, nos eléctricos, nos comboios, nos aviões,
Nas visões,
Nas percepções e preocupações,
E o tempo imbui de adereços tormentosos
As previsões que pelas pessoas são feitas.

E choro.
Sossurro deplorado,
E dou comigo sitiado
Pelas horas cosmopolitas,
Meu olhar esparso
Percorre todos os olhos,
Todos os pedaços de algo vivo,
Toda a exaustiva extensão de prédios,
Todos os braços descomunais das pontes.
Ah, infernal bafo nocivo
E luzes que ofuscam a visão!
Doem-me os olhos, e cego deambulo por estas ruas,
Doem-me os vapores dos carros e das fábricas
Dói-me a ciência,
E colérico, grito e corro,
Mas desgarrada voz não grita,
Delidas pernas não correm,
E, enquanto flutua meu espectro cansado,
Meu olhar fita, neste averno humanizado, o longe.

E, no meio deste ímpeto metropolita,
Do tráfefo e das náuseas
E do frio e do cansaço,
De minha visão marejada, entrevejo
Luzir uma pequena figura
Que me traz de volta memórias distantes que desejo,
(Ah, tempos de outrora!
De facécia, de deleite, de esperança!)
Agrilhoadas nesse rosto imaculado,
Onde reconheço, por pensamento,
O clemente sorriso de uma criança!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Poema ao lado

Sabem que mais?
Aceito meus indómitos pensamentos
Impropérios, que actuam como vozes
Dentro de minha cabeça, e pestilentos
Sossurram sós, entre um pedaço de silêncio proferido.

(Permanecendo meus poemas no meu Universo esquecido...)

Vozes que exortam à visão
De um mundo que em minha mão
Nunca julguei ver
Ser arremeçado,
Esse tão meu mundo vão...
Sou eu próprio a mácula repugnante
Que vê o mundo no seu elemento!

Mas sua essência é-me negada,
Quando me deito no inquietante esquecimento desta,
E consomem-me as vozes
Que mantêm ocupada
A vontade inimplorável
De verter meus olhos sobre o real,
Esmagando minha denudada
E pueril imaginação.
E enquanto debruço meus olhos, minha mão
Escreve ornamentados poemas
Que enlaçam o sentido das palavras
Transfigurando a realidade vista por meus olhos (e imaginação)...

Minha visão constragida
Escorrega sobre minha mão
E faz-me crer que vivo eu
Noutro espaço distante,
E que apenas pairo suspenso
Exaltando essas vozes, fazendo-lhes a vontade,
Que eu caminho errante
Por onde meus pés me decidem levar,
E onde minha visão se guia cega,
Na busca de não seguir essa lôbrega imagem
Do mundo real.

Sabem que mais?
Esqueço minhas indómitas falas,
Que hoje eu sigo nada e nada só.








sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Meditação

Se fosse sempre eu assim,
Bradado deste meu ínfero nirvana,
Que só por acaso dentro de mim
Se exalta e emana

De meu corpo, minha voz,
E minhas mãos que entendem
Que sou eu... Mas somos nós!
E haurem minhas forças, que se estendem

Além de meu compelido
Choro, que fala através de uma escrita
Que, num quérulo canto comedido,
Se exala e por fim medita...

Se fosse eu sempre assim
Esta voz que canta mas não soa
(Oh! Como soa dentro de mim!)
Possuía o altivo engenho desse que em tempos
..................................... foi Pessoa.